sábado, 2 de fevereiro de 2013

Reflexões sobre a cência 2

Todo conhecimento útil deve ser fornecido pela ciência?
 
O que estou querendo dizer com essa pergunta é se a ciência é a única fonte confiável de conhecimento, ou ainda se tudo que não é comprovado cientificamente deve ser menosprezado. Essa é uma ideia recorrente nos meios científicos, mas deve ser analisada com cuidado para não cairmos em contradição, afinal a ciência depende de conhecimento não comprovado cientificamente, e é isso que eu pretendo mostrar aqui.
 
Por exemplo, toda inferência científica se baseia em duas áreas do conhecimento: a lógica e a matemática. De fato, essas duas áreas são a base da ciência teórica e experimental e por esse mesmo motivo é que não se pode comprovar cientificamente nenhuma delas. Seria um argumento circular, do tipo “a galinha é quem bota os ovos, mas são dos ovos que nascem as galinhas”, ou seja, não se chega a lugar nenhum. Por isso dizemos que a lógica e a matemática são consideradas verdades a priori, são conhecimentos tidos como verdadeiros, mas que não são derivados dos dados científicos.
 
Outras formas de conhecimento que usamos todos os dias, mas que não podem ser comprovadas cientificamente, são as ideias de beleza, razão, sentimento e moral. Não se pode provar através de dados científicos que uma paisagem ou o por do sol são belos, ou que a razão, ou consciência, que temos é fruto de meras reações químicas no nosso cérebro. Caso contrário, seriamos mais parecidos com autômatos, escravos da química, do que seres pensantes que somos. Da mesma forma não se pode reduzir sentimentos a meras reações químicas, eu pelo menos nunca diria que o amor que sinto pela minha esposa é apenas reações químicas no meu cérebro. Ela pediria o divórcio. Também não se pode comprovar cientificamente o que é bom e o que é mau, apesar de todo mundo concordar que ajudar as pessoas necessitadas é algo bom, e estuprar uma criança é algo mau.
 
Se formos mais a fundo, passo a falar de um conceito complicado, e até polêmico, por isso espero me expressar com clareza. Acontece que a ciência só pode existir se dermos o primeiro e pequeno passo no escuro, o que eu chamaria de ato de fé. E esse passo é a crença de que o Universo, e tudo que nele há, é compreensível e modelável em forma de equações e teorias. Sem esse pequeno passo, nós não poderíamos fazer ciência, também acredito que o boom da ciência só ocorreu no ambiente europeu devido à compatibilidade entre essa crença e cultura europeia da época. Para ser mais claro, o que eu estou querendo dizer é que não se pode provar cientificamente que o Universo é regular e inteligível, pois é necessário tomarmos isso como verdade para poder fazer ciência, e novamente seria uma falácia de argumento circular.
 
Dito tudo isso, podemos então dizer que existe sim conhecimento útil que não se deriva de dados científicos, caso contrário, a própria ciência não existiria. No próximo post eu gostaria de falar sobre as “verdades” e as “provas” científicas. Será que elas não têm sido superestimadas pela sociedade, mídia e até mesmo pelos próprios cientistas?
 
Abraço a todos, que Deus os abençoe!

Fonte da imagem: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Radiometer_9965_Nevit.gif

3 comentários:

  1. Gui, meu caro Gui!

    Que prazer reencontrá-lo depois de algum tempo, especialmente para comentar esse post interessante, nesse blog interessantíssimo que pretendo acompanhar a partir de hoje.

    Embora você se apresente como um rapaz cristão, percebo que você tem uma forte tendência para investigações e especulações filosóficas. Evidentemente que a Filosofia, como me parece, não exclui a fé religiosa, cristã ou não. Antes, creio que a Filosofia reforça a fé como uma possibilidade de conhecimento outra, mas a distinga do conhecimento chamado científico, fundado na razão.

    Vejo também que você tem se aplicado nos estudos de Teologia, assunto que tem me interessado bastante, embora, creio, numa perspectiva diferente da sua. Entendo que a Bíblia cristã, assim como qualquer texto religioso relativo a ela, é uma chave riquíssima para a compreensão da nossa cultura. Assim como os textos sagrados de religiões orientais, que desde há muito têm exercido forte influência no ocidente, também o são. De uma forma mais geral, como vejo, qualquer texto religioso nos permite uma compreensão mais profunda do homem, na medida em que estes deuses e divindades seriam uma projeção de características humanas, levadas ao limite da perfeição. Nesse sentido, admito que esses mesmos deuses e divindades teriam sido criados pelo próprio homem, mas creio que nesse ponto discordaríamos. Indo mais além ainda, nesse tocante, no limite da argumentação, creio que serem criados ou não pelo homem é irrelevante. Seja como essências divinas ou como meros conceitos, esses entes “existem” e exercem influência na nossa realidade sensível, seja no âmbito da ética individual, seja na política. Mas, também, esses assuntos dão pano pra manga e podemos retomá-los algum dia.

    Continuando meu comentário ao post, concordo contigo que a matemática é uma ciência a priori, na medida em que se fundamenta a si própria independente de dados obtidos pela observação, ou experiência sensível. A lógica, que por sua vez fundamenta a matemática, na medida que as demonstrações matemáticas se fazem por meio da lógica. Entendo a lógica como uma ferramenta para analisar a validade de proposições e, algumas dessas proposições, enquanto pretendem descrever a realidade sensível, são verdadeiras ou falsas na medida em que há uma correspondência entre o que elas afirmam e os dados sensíveis a que se referem. Fico em dúvida se ela (a lógica) é totalmente a priori, na medida em que a noção de causalidade está profundamente relacionada com ela, e que, como me parece, é uma noção que provém da observação do sensível, mas confesso que não sei. Queria ouvir o que você pensa sobre isso.

    Na tradição do pensamento científico, desde a Revolução Científica do Sec. XVII (há quem diga que ela é anterior até, outro assunto muito interessante), usa-se a matemática no conhecimento da natureza. Coisa que os gregos não faziam, por exemplo, embora a ciência grega tenha sido riquíssima, já superada em muitos pontos, mas fundadora de toda nossa tradição de pensamento. Mas, veja, NEM SEMPRE se fez ciência com o auxílio da matemática. O que significa que a ciência, como se nos apresenta hoje, não é uma forma de conhecimento absoluto, mas, antes, resultado de uma processo histórico e, portanto, contingente. Não haveria contradição em se afirmar que no futuro, é possível que se conceba uma forma de pensamente científico totalmente diferente, que não tenha a matemática como pressuposto ou ferramenta. Assim, concordo contigo que a ciência não é absoluta e, como disse antes, não é a ÚNICA forma de conhecimento existente. Você mencionou outras formas de conhecimento que não recorrem à matemática, a saber, o conhecimento do belo, as proposições da ética. Ambas não dependem da matemática, mas a primeira, de uma sensibilidade profunda e, a outra, da adequação do comportamento aos hábitos e costumes de uma sociedade, numa determinada época.

    (continua...)

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  2. No tocante à fé, entendo ser uma forma válida de conhecimento, mas que não é passível de demonstração. Ela depende, assim como a experiência estética, de uma sensibilidade individual profunda. É possível dizer, por exemplo, que Deus está em todo lugar, mas isso não pode ser uma proposição necessariamente válida, analisável sob o ponto de vista da ciência, já que não provém de dados sensíveis (compartilhados com todos) e não pode ser mensurada. Ela é contingente. Talvez por isso esse conflito entre “religiosos” e “cientistas”: falam línguas diferentes, embora, no fundamento, devam concordar necessariamente.

    Também concordo contigo que o ser humano não pode ser reduzido a meras reações químicas. Existe muito de nossa experiência que simplesmente não cabe numa proposição científica. A maior parte dela, talvez. Isso é melhor descrito pelos poetas que tanto admiro. Aliás, você ainda escreve poesias?

    Não sei se concordo ou não com seu argumento do ato de fé da ciência. Entendo que o conhecimento científico avança segundo o seu próprio mecanismo (formular hipóteses e testá-las em experimentos, que estabelecem uma verdade relativa). Não vejo muito espaço para fé, naquele sentido que usei acima. Entendo que o que você chama de “ato de fé” seria um pressuposto da ciência segundo o qual existem “coisas” (ou seja, coisas, objetos, que existem por si mesmos e que são distintos do sujeito que as conhece e com ele não se confundem). Junto com isso, o pressuposto que essas “coisas” caberiam em nossa capacidade de conhecimento e seriam inteligíveis segundo certos instrumentos de análise. Há uma tradição no pensamento filosófico que afirma ser irrelevante a existência ou não das coisas, na medida em que importa apenas as impressões sensíveis (dados da experiência) que tenho, e seria com elas que a ciência deveria trabalhar. Nesse sentido, não se poderia fazer afirmações sobre a existência ou não das coisas, pois não temos acesso sensível a isso. Há, ainda, uma outra tradição de pensamento que afirma que o sujeito que estabelece o objeto, na medida em que ele próprio (sujeito) distingue de si algo e estabelece com esse algo uma relação de conhecimento; e, assim, o conhecer o objeto seria conhecer a história desse objeto conforme estabelecido pelo sujeito, desde seu estágio mais elementar (no momento em que foi destacado do “si”, da consciência) até o seu estado mais avançado: aí estariam as essências dos objetos de conhecimento, das “coisas” e não numa matéria, numa coisa material.

    Ou seja, tivesse a ciência escolhido pressupostos diferentes, o discurso se daria de outra forma. No limite, parte-se de pressupostos, o que pode não ser um problema em si, já que cada sistema de conhecimento avança a partir deles e devemos julgar sua validade segundo os avanços e descobertas obtidos. Não há como negar que a ciência que se nos apresenta hoje obteve resultados que tiveram impactos favoráveis na vida do homem; outros, nem tanto. Mas aqui entraríamos numa discussão longa também e que escapa um pouco do nosso debate.

    Seja como for, meu caro, para mim, tudo continua sendo uma grande e belo mistério, no qual estou felizmente imerso, apesar de todas as contradições. Mas, no fundo, as contradições não são ruins em si mesmas, pelo contrário: me parece que é justamente no embate, no conflito, que a vida se dá e se desenvolve. Mas isso já é a minha fé!

    Continuemos o debate.

    Um forte abraço,
    Do amigo,

    Daniel Stain

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    1. E ai Daniel!!!

      Que alegria ter tua visita e comentário!

      Sem falsa modéstia, eu não diria que tenho estudado algo de Filosofia ou Teologia, mas sou apenas um cara curioso, tenho lido a bíblia e também alguns autores cristãos, e o objetivo do blog está mais para incentivar questionamentos e debates saudáveis. Concordo com você que Filosofia não exclui a fé, e realmente discordo que "Deus" tenha sido criado pelo homem. Eu sou daquele tipo crentão mesmo, que acredita em Adão e Eva, dilúvio, nos milagres e ressurreição de Cristo ;).

      Sobre a lógica, se ela é ou não a priori para os estudos científicos, acredito que só podemos inferir causalidade a partir da observação do sensível dado uma lógica pré-estabelecida. Ou então que a causalidade que inferimos a partir dos nossos sentidos de forma alguma poderia ser generalizada como uma "lei", sendo que não temos acesso a todos os eventos similares por toda história da humanidade ou do Universo. E por isso ela se parece mais com uma crença do que um dado que pode ser provado cientificamente.

      Concordo com você que a fé depende somente de uma experiência individual. Não existe a menor possibilidade de explicá-la em função de dados científicos ou mesmo por lógica. Mas acredito que o suposto conflito entre religiosos e cientistas é menor e mais pontual do que parece ser. A mídia e pequenos grupos envolvidos fazem muito alarde.

      Cara, eu não tenho mais escrito poesia, no sentido de como escrevia a uns cinco anos atrás. Continuo tentando compor uns sons, e nisso entram as letras de música, que são uma forma de poesia. Mas desde que saí do topsyturvy, diminuí muito o ritmo de composição.

      O que eu quis dizer sobre "ato de fé" na ciência é que o primeiro passo para fazer ciência seria acreditar numa regularidade compreensível da natureza. Acredito que essa regularidade não poderia ser inferida com base em nossos sentidos simplesmente, da mesma forma que a causalidade não poderia. Por exemplo, um povo pagão, que acredita que os eventos da natureza são regidos por seres e entidades temperamentais, de humor variável, e que essas oscilações de temperamento influenciam diretamente na natureza sensível, esse povo não teria nenhum motivo para crer que a natureza possui uma regularidade inteligível que podemos estudar e formular teorias.

      Não nego que a ciência trouxe bastante benefício à humanidade, inclusive sou estudante de Engenharia Elétrica ;)

      Obrigado pelo seu comentário, que veio enriquecer bastante o tema do post! Espero continuar tendo conversas agradáveis como esta com você! Esteja a vontade para visitar o blog e comentar os tópicos!

      Um grande abraço, meu amigo!

      Guilherme

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