domingo, 28 de outubro de 2012

O Replicador Mutante



Há bilhões de anos, numa sopa orgânica não muito distante daqui...

[Música do Star Wars]

Na alvorada dos tempos os dois deuses (Tempo e Acaso) viviam um
conflituoso romance cósmico. A terra, recém-formada, recebia diretamente
o impacto desse conflito amoroso, sendo então bombardeada com raios
ultravioleta, erupção de supervulcões, chuvas torrenciais e gigantescos
relâmpagos. A paixão e a ira dos deuses eram implacáveis.

A atmosfera redutora da terra, ao receber toda essa energia,
milagrosamente criava todo tipo de macromoléculas complexas, todas elas
inúteis, mas divinamente protegidas para não se dissolverem na água.
Cansados desse tédio de criar moléculas inúteis, Tempo e Acaso decidiram
usar seus poderes divinos e conceder a uma mísera molécula a capacidade
auto replicante. E assim, quase sem querer, surgiu o primeiro filho dos
deuses, o Replicador Mutante.

Como bom filho que era, a primeira coisa que o Replicador Mutante fez foi
desobedecer aos pais, e saiu criando cópias de si mesmo
desgovernadamente. Como as cópias também podiam se replicar, a coisa logo
perdeu o controle, e uma progressão geométrica de cópias passou a povoar
a pequena sopa orgânica. Com o processo desgovernado, muitas cópias saíram
com defeito, aparecendo pequenas diferenças entre os replicadores.

O meio então ficou povoado e os recursos escassos, e assim passou a haver
competição entre os replicadores. Para contornar o problema da escassez,
os deuses criaram um método de extermínio em massa, onde permanece vivo o
replicador que tiver as modificações mais adaptadas ao meio competitivo.
E assim ao longo de bilhões de anos, o Replicador Mutante foi se
modificando, se adaptando, passou a ser célula, ganhou funções novas,
outros decidiram juntar muitas células, com outras novas funções.

A afronta aos deuses parecia ter acabado. Mas Tempo e Acaso se
descuidaram de sua criação, e as muitas modificações e adaptações que o
Replicador Mutante sofreu acabaram gerando uma cópia capaz de destruir a
si mesma, as outras cópias e a própria terra. E este vil Replicador sou
eu que vos escrevo, também é você que está lendo, e tudo o que
chamamos de humanidade.

OBS: Esta fábula faz parte do cânon da religião naturalista, e deve ser respeitada como toda manifestação de fé.

Fonte da imagem: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:DNA_methylation.jpg